segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Aika - A Canção dos Cinco [Resenha]

"Gattai é um mundo fantástico assolado por estranhas catástrofes naturais e uma interminável guerra entre as raças que o habitam. Em meio ao caos, surge um guerreiro com asas de Fênix destinado a trazer o equilíbrio entre a natureza e suas criaturas. Porém, ele foi amaldiçoado por um terrível demônio que devora sua alma. A única pessoa que pode salvá-lo não pertence à Gattai, e sim ao nosso mundo: Aika Akatsuki dos Anjos, uma estudante japonesa mestiça, nascida no Brasil e grande fã de histórias de magia e fantasia.

A jovem que enfrenta diariamente a dura rotina de estudos e discriminação por sua ascendência vê sua vida transformada com a descoberta da existência de Gattai e de seu grande ídolo. E para salvá-lo, ela terá que enfrentar seus medos, atravessar um portal mágico, lutar contra terríveis criaturas… tudo isso sem ser reprovada no ensino médio. Aika voará em dragões, aprenderá o que é realmente uma guerra e lutará para salvar o herói não apenas de grandes inimigos, mas de si mesmo."

Autor(a): Lúcia Lemos
Idioma: Livro Nacional - Português
Lançamento: 1º edição, Setembro de 2017
Altura e largura: 23 x 15,5 cm
Número de páginas: 368
Publicação Independente

Por que escolhi essa obra?

Antes de mais nada, peço desculpas a quem prefere uma resenha mais direta. Há muitas postagens ótimas que conseguem captar e resumir a essência desse livro, mas quem me conhece sabe que acabo me prologando — às vezes demais da conta , mas sinto que é o mínimo que eu poderia fazer pela autora que se dedicou tanto nessa obra.

Quem é autor nacional sabe das dificuldades que encontramos para colocar nossos livros nas estantes de uma livraria. As chances de alguém estar passeando por aí e simplesmente querer levar uma obra nacional sua ao invés daquele best-seller maneiro que todos os amiguinhos da escola estão falando são... quase nulas. Por isso, o autor é o maior responsável por sua divulgação, e uma das ferramentas mais poderosas que temos hoje em dia é a internet, seja através do facebook, instagram ou youtube.

Faço parte de um grupo chamado Sociedade Secreta dos Escritores Vivos no facebook que vem crescendo consideravelmente. Acabei esbarrando em Aika, mas eu dificilmente saberia de sua existência se a autora Lúcia Lemos não tivesse divulgado seu trabalho. Às vezes temos a impressão de que não adianta nada fazer aquele post que quase ninguém vai curtir, mas nós nunca sabemos quem pode estar olhando, vai saber não era exatamente o que um leitor de fantasia estava procurando?

Quando vai ser publicado? Onde posso comprar?

O livro será publicado na Bienal do Rio de 2017, que vai acontecer em Setembro, mas a autora abriu a pré-venda de algumas unidades e ofereceu também pelo Mercado Livre. Como minha lista de leituras esse ano está meio decepcionante, tratei logo de encaixá-lo no topo.

O valor total foi de 35 reais, 25 do preço de capa e 10 de frete, ou seja. Devo dizer que para um livro com esse tamanho e qualidade o valor foi excelente, a maioria fica em torno de 50 reais se contarmos o frete. Eu recebi o meu autografado e com uma pequena dedicatória, devorei o livro na mesma semana que o recebi!

Capa, Design e Editoração

Lúcia Lemos dá uma verdadeira aula de como produzir um livro para muitas editoras, sejam elas pequenas, médias ou até as grandes. Juro que já comprei obras nacionais onde a sinopse estava ilegível, com capas feitas através de fotomontagem no nível do "filho do vizinho que mexe no Photoshop". O trabalho da autora não terminou quando ela acabou de escrever, Lúcia ainda ilustrou a capa, fez o projeto gráfico e trouxe mais de quinze páginas ilustradas.

Já emendando o assunto sobre a capa, repare no cuidado com as cores  o roxo traz a ideia do abstrato, uma ideia muito presente no livro; causa o efeito de calma e sensatez no cérebro. Já o laranja dá ideia de mudança, expansão e dinamismo. Não precisou centralizar o herói, não precisou colocar uma mulher de vestido bonito e nem fazer a capa parecer um daqueles filmes medievais de baixo orçamento. É clean, atraente e agradável aos olhos.

Logo nas primeiras páginas temos um mapa, mais uma cortesia da autora. E quem não gosta de folhear um livro novo, ainda envolvido em plástico? Pedi o meu pelos correios e folheei a obra inteira de cara, mas as ilustrações não denunciaram o roteiro ou estragaram alguma surpresa, pelo contrário, elas incentivam o leitor e despertam o interesse dos mais curiosos a chegarem o quanto antes naquela cena.

Vamos falar um pouco sobre a fonte agora. Retirei um pequeno traje da página da autora no behance:

Utilizei a fonte "Fontin" para os títulos, devido aos seus terminais semelhantes aos caracteres asiáticos e a fonte "Crimson" para o texto. A Crimson tem uma ótima leitura e grande altura x, podendo ser usada com o corpo menor, a fim de diminuir o número de páginas e baratear o custo do livro. Ambas as fontes são gratuitas para uso comercial."  Lúcia Lemos.
Em design gráfico, temos aulas de tipologia e aprendemos sobre letras e caracteres, serifas, onde devem ser usadas e como foram feitas. Cada fonte deve ser usada em ocasiões específicas. Um exemplo é que a maioria opta pelo Times New Roman, mas não sabe que essa fonte é adequada para leitura rápida em impressos e espaços compactos como uma coluna de jornal, visto que a fonte surgiu em 1931 para uso no jornal Times. Mais um exemplo de que a autora sabia bem o que estava fazendo.

Processo de construção da capa do livro. Link original para o perfil da autora: https://www.behance.net/LuciaLemos

Trabalhar com narrativa visual é uma ótima forma de atrair leitores, mas também ousada. Há quem não goste do estilo de mangá, mas Lúcia nos apresenta o universo de Gattai e seus personagens com tanto carinho que é impossível não nos apegarmos a eles do jeitinho que a autora os imaginou.


Sobre a Obra e a Autora

Aika - A Canção dos Cinco é o primeiro livro de uma história que começou no Wattpad. A autora recebeu um ótimo feedback do público e investiu nesse sonho, na data em que essa resenha foi publicada Aika já contava com mais de 70 mil acessos. Apesar de estar disponível online, muitos leitores se interessaram na compra do livro físico, afinal, quem não se apaixona por aquele cheiro de papel e livro novo?

Desde o momento em que conheci Aika eu senti que seria algo no estilo que eu gosto. Há tempos eu procurava uma fantasia que não se prendesse em uma mitologia complexa, que não usasse nomes retirados direto do "gerador de nomes fantásticos" e que não fizesse uso de raças que já conhecemos bem.

Eu queria mergulhar de cabeça em um universo novo, há tempos eu não ficava tão curioso para saber mais de um, mas Gattai me conquistou. É como ouvir todos seus amigos falarem daquele anime novo que só você não assistiu.

A premissa é, no mínimo, interessante para qualquer fã de mangás, HQs e literatura fantástica — "Se seu herói e o mundo dele existissem, se tal mundo estivesse correndo um grande perigo, você lutaria com ele e por ele? Você lutaria para salvá-lo?"



Certa vez, li em uma postagem que um bom mangá shonen precisa:

1. Um Mundo em que o leitor possa entrar facilmente;
2. Uma razão clara e aceitável pela qual o personagem principal luta;
3. Uma batalha e ataques legais que sejam fáceis de se compreender o que está acontecendo;
4. Um inimigo tão carismático ou ainda mais carismático que o protagonista;
5. Se possível, é bom que tenha uma heroína bonita;
6. Cenas engraçadas e outras dramáticas.

A autora nos apresenta cada um desses elementos na medida certa. No começo, somos apresentados à rotina de Aika Akatsuki dos Anjos e sua vida no Japão. Ela é natural do Rio de Janeiro e sabemos como os japoneses não enxergam os "gaijin" com bons olhos. Estudei a vida toda em uma escola com 80% de japoneses, e eles se fecham em pequenos grupos. A ideia de formar grupos é natural do ser humano desde o tempo das cavernas, mas vemos que para uma garota morena que tenta a sorte na terra do sol nascente isso pode ser um verdadeiro desafio. Aika chega a sofrer bullying por sua cor de pele, por um instante achei que houve até certo exagero, mas trata-se de uma etapa importante para formar a personalidade da personagem e seu laço com o mundo real e o fictício. Há poucos fios que a prendem à realidade da terra — se Aika tivesse a oportunidade, ela com certeza viveria no mundo de seus mangás e animes e esqueceria todo o resto.

Sou descendente de japoneses e também curto muito mangás e animes. Essas histórias nos permitem mergulhar num mundo fictício, existe uma progressão da jornada que é a maior responsável por nos fazer apegar-se tanto a eles. Muitos mangás duraram mais de 10 anos  alguns como One Piece ainda estão em andamento —, então não é de se impressionar que uma geração inteira tenha crescido com eles, essa histórias surpreenderam leitores no mundo todo a cada capítulo. A autora criou um mangá tão bem construído dentro de seu próprio universo que é como se ele também existisse na vida real.

Existem muitas notas de rodapé para explicar a origem de palavras da cultura japonesa, cada detalhe é bem explorado de forma que não pareça que a autora simplesmente escolheu o Japão por gostar dele sem conhecer nada do país. É preciso muito estudo para nos aprofundarmos nos assuntos que não conhecemos, de modo a tornar a experiência mais imersiva.

A história se aprofunda conforme a aventura avança. Aika encontra uma forma de viajar para Gattai, o mesmo mundo que seu herói, e ela se conecta a ele de tal forma que sua vida nunca mais será a mesma. No começo, sentimos o mesmo que a protagonista e é difícil absorver tanta informação, mas Aika serve como ponte entre os dois mundos  autor e leitor.

Por vezes achei engraçado que narrativa é carregada de indignação em certos momentos, são claras as alfinetas ao mercado de mangás no Japão e à grandes produções que exageram no fanservice, colocando as mulheres como objetos. Há também a ideia de uma "origem pura", como o fato da protagonista ser mestiça e vista com maus olhos pela maioria da população japonesa, o que passa uma mensagem de luta contra esse preconceito tanto em Gattai quanto na terra.

A espiritualidade é outro fator muito forte no livro. Quando falamos de mortos e espíritos, trata-se de uma crença comum na cultura japonesa, tal ideia foi demonstrada de maneira notável, a autora explorou o que pode ser compreendido como a religião de Gattai. Deuses, espiritualidade, visões e vida pós a morte fazem parte da fantasia do livro, explorada com muito cuidado em cada palavra de forma comovente e concedível.

Eu diria que a autora é autêntica, ela faz as coisas do seu jeito. Há quem critique alguns detalhes, eu particularmente não sou fã de "PUF! BOOOOM! WAAAAAAH!", mas no contexto dessa obra funcionou, porque é como se fosse um mangá carregado de onomatopeias exageradas. Quanto à revisão, percebi alguns erros de digitação que poderiam facilmente ser consertados numa futura revisão. Vi também muita gente reclamar do uso excessivo de exclamações como alguns leitores citaram, mas, falando sério, nenhum desses problemas afetam em nada a qualidade geral da obra.

Sobre os Personagens
Os protagonistas de Aika - Imagem original no Devianart da autora:
http://lucialemos.deviantart.com/art/Aika-special-647580782
Essa parte com certeza merece um tópico separado! Os personagens de Aika são, sem sombra de dúvidas, um dos pontos mais altos do livro.

Começaremos por Aika, uma protagonista extremamente bem construída que segue evoluindo por todo o livro, cada sentimento seu mexe com o nosso. Ela é muito bem trabalhada desde a primeira página, conhece tudo sobre o mundo de Gattai ao mesmo tempo que precisa "reconhecê-lo", só que dessa vez como parte dele. É muito importante que um livro de aventura tenha um personagem que evolui conforme a história avança, muda de alguma forma. Eles podem se tornar melhores, mais fortes ou piores, por isso é tão interessante tê-la no comando.

Por serem personagens de um mangá popular, é como se todos eles já fossem figurinhas já conhecidas do leitor. Apesar da dupla principal ser formada por Aika e Kurikara, temos o suficiente de Riko e Iruka para nos apegarmos. 


Riko é linda, o tipo de mulher forte que adoro nas histórias. Ela lembra muito a Auria, uma das personagens aqui do Reino de Sellure, pois carrega a determinação para liderar e batalhar por um mundo melhor. Ela é forte e decidida. Uma cena que gostei muito é quando Kurikara diz ver uma imagem ecchi dela no mangá numa cena de banho. Como será que um personagem reagiria se soubessem que são tão sexualizados? Ficariam bravos, envergonhados? Detalhes pequenos como esse fazem toda a diferença no ritmo da história livro, é como um momento de descontração.

Por sinal, as cenas em que eles simplesmente voltavam para a terra para falar sobre o mangá foram ótimas, eu particularmente adoro esses momentos tranquilos mais do que sequências de batalhas e fico feliz que a autora tenha utilizado essas cenas que funcionaram como transição para o próximo arco que se iniciava. Enquanto Aika defendia o mundo de Gattai, ela também precisava tirar um tempo para estudar para a próxima prova de matemática *risos*

Você é um espírito que busca a paz, movido por ideais de amor e compreensão. Movido pela paixão dos que lhe são caros, mas ferido por tantas perdas. Mesmo assim, você persiste na sua fé, lutando pelo mundo que ainda o nega. — p. 303
Outra coisa que eu adorei na história  não existe um casalzinho formado. Aika pode ser apaixonada por Kurikara, afinal, ele é o herói do seu mangás predileto mas isso não significa que ela fará tudo para derrubar qualquer outra que tentasse chegar perto dele para tê-lo só para si. Kurikara também teve duas ou três cenas com Riko, e mesmo que o livro não nos mostre seu passado, eles compartilham de um carinho enorme. Riko também pode ter um "shipping" com Iruka, aquele clássico estilo do cara brincalhão e a garota severa. São tantas opções que a autora não precisa jogar na sua cara: "Oh, o romance é entre esses dois e ponto final." Eles se comunicam com naturalidade, todos se respeitam (dentro do possível, claro, até porque Iruka é um mestre fazer piadas fora de hora e provocar seus amigos com piadas sobre seios. Isso não poderia faltar num mangá, certo? *risos*).

Os vilões que conhecemos no primeiro livro foram bem construídos, eu adorei o bestiário nas últimas páginas e a maneira como Yami-no-Yaku continua sendo uma sombra, um mistério insondável. É incrível a maneira como somos apresentados aos "generais" do inimigo e fico feliz que eles ainda possam voltar a dar as caras no futuro. Algumas contas ainda precisam ser acertadas.

E o que dizer sobre a cena final? A imagem ao lado foi um dos momentos mais emocionantes que compartilhei com essa obra, digna de um final de temporada. Sou sensível a abraços entre amigos e foi um verdadeiro deleite poder contar com uma ilustração para extrapolar de vez os sentimentos. M
eus parabéns à autora pelo trabalho, você colocou seu coração nessa cena!

O universo de Gattai é enorme, promissor. Como num mangá, nos resta esperar que a autora continue se dedicando a obra e que possamos chegar ao desfecho da jornada desses protagonistas tão carismáticos. Você pode acessar o blog da autora, que inclusive um de nossos parceiros. Segue o link:



Considerações Finais

Aika é uma das obras nacionais de fantasia mais incríveis que já tive o prazer de conhecer — e por completo acaso. Esse livro representa a história de uma garota que teve um sonho de infância e lutou para torná-lo real. Com Aika você ri, se diverte, sente raiva, ainda recebe uma pequena aula sobre a cultura nipônica e se diverte com o universo às vezes tão excêntrico dos fãs de mangá.

Me emocionei como há tempos não acontecia, um único livro conseguiu causar uma enxurrada de emoções. A qualidade da obra é surpreendente, mérito da própria autora em publicar um livro independente num país onde tudo relacionado à cultura é mais difícil. O conjunto como um todo, desde a capa,  ilustrações, a escolha das fontes e diagramação é sem sombra de dúvidas um dos melhores trabalhos gráficos que já vi numa publicação independente e deixa muita obra famosa no chinelo.

Aika me faz lembrar porque sou fã de mangás, porque me encanto com os personagens, com cenas de batalha explosivas e sentimentos extrapolados. Como já cheguei a mencionar, não há ninguém melhor no mundo para fazer a divulgação de sua obra do que o próprio autor. 

"O verdadeiro amor não prende. O verdadeiro amor liberta."



  2 comentários:

  1. Obrigada por essa resenha linda <3 fico realmente feliz que Aika que tenha te deixado tão satisfeito :3

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    Respostas
    1. Seus leitores que agradecem por uma obra tão bacana, Lúcia! :D Espero que com o tempo mais pessoas conheçam seu livro, meus parabéns pelo cuidado em cada detalhe, torço para que o lançamento na Bienal seja um verdadeiro sucesso!

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